quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O conceito de Mimesis no Pensamento Platônico


 

Foram Platão e Aristóteles que, por vias diversas, pela primeira vez no Ocidente, discutiram tal concepção de arte. Platão para rebaixá-la como forma vil de conhecimento; Aristóteles, para elevá-la e dar-lhe dignidade artística.[1]


Platão nasceu em Atenas, no ano 427 a.C. Na juventude era Poeta, e a sensibilidade na escrita o acompanhou por todos os textos. Aos vinte anos conheceu Sócrates, permanecendo seu discípulo até o falecimento deste, oito anos depois. Após a morte do mestre, Platão partiu para conhecer o mundo e se instruir. Conheceu o Egito, admirando sua estabilidade política encontrou os pitagóricos na Itália. Na Sicília conheceu o tirano Dionísio, o Antigo, e terminou preso e vendido como escravo. Libertado por um amigo, voltou a Atenas dez anos após a partida, no ano de 387 a.C e fundou a célebre escola nos Jardins do Academo, de onde  germinou o nome Academia.[2]
O Filósofo dedicou 50 anos à escrita, ao pensamento e à defesa da filosofia como doutrina da lógica. Se bem da verdade contribuiu para o pensamento, Platão provocou uma cisão entre razão e imaginação, entre arte e pensamento, conferindo à filosofia as questões da racionalidade e delegando à poesia e à arte a faculdade de imaginação e inspiração divina. O objetivo platônico era minar o poder da poesia nas estruturas sociais para que a filosofia fosse posta à frente, governando os rumos políticos e morais da cidade.
Profundo conhecedor do discurso poético e obstinado crítico de Homero, os textos platônicos estão repletos de imagens e mitos sobre a poesia. Na Politeia, cidade ideal construída pelas palavras, Platão condena os poetas, expulsando-os. Em seus escritos, é comum o ataque à estrutura poética da sociedade grega, afastando a poesia da verdade e do conhecimento para que a filosofia possa governar a cidade. Essa ação levou Nietzsche a acusar o filósofo de ser "o maior inimigo da arte nascido em toda Europa."[3] Platão iniciou seu estratagema minimizando a dimensão da mimesis, reduzindo-a a uma simples imitação. 
No início do livro X da República, Platão classifica a poesia e a pintura como imitação (mimesis), no interior de sua teoria acerca de uma cidade perfeita, imaginada de forma a ser justa. Platão diz que os poetas, como imitadores, não têm conhecimento sobre aquilo que imitam, e fazem uma brincadeira sem seriedade. A poesia e a pintura, para o autor, estão três pontos afastadas da realidade.[4]

O filósofo  afirma que o marceneiro, ao produzir uma mesa, realiza uma cópia do modelo já existente no mundo das ideias. O pintor, ao representá-la na tela, efetua a cópia da cópia, afastando-se da verdade. A poesia, ao imitar os gestos e as ações humanas, está, da mesma forma, afastada da razão.
Já Platão, na República, define  a poesia como imitação. Platão o faz explicitamente para denegrir a poesia, para torná-la de mesmo valor que a pintura ou a escultura, coisa de artesãos, profissão de artífices manuais, socialmente inferiores na hierarquia da cidade antiga.[5]

Para os cidadãos gregos, o valor da arte poética era diferente das artes plásticas. A pintura e a escultura sequer possuíam diferença das demais atividades técnicas, como as de sapateiros e ferreiros. Não havia a figura do pintor "mas o oleiro que pinta seus vasos, não há o escultor, mas uma equipe de mestres, pedreiros e carpinteiros que edifica o templo."[6]  Portanto igualar a arte da escrita, fruto do pensamento, do intelecto, às artes manuais, era um artifício sutil encontrado por Platão para diminuir a influência que a poesia exercia sobre o Estado. Na sequência de seus escritos, o rapsodo é o próximo alvo.
O público do rapsodo submetia-se ao seu hipnotismo. Se o rapsodo ficava atento às  reações dos ouvintes e modificava sua entonação com o único intuito de ganhar a competição, então nada havia de divino nessa ação de caráter meramente pecuniário, estabelecendo uma estreita relação comercial com as emoções do público.[7]

Depois de destituir de importância a função social do rapsodo como detentor de um conhecimento (passando a ser um mero agente reprodutor) dotado de inspiração divina, Platão passou a questionar a obra de Homero. Sua crítica tinha como base a falta da vivência do poeta em relação aos fatos narrados. Questionava que, sem qualquer experiência militar, os versos do poeta sobre a guerra eram frutos de uma fantasia.
A prova está em que Homero ou qualquer outro poeta não possui competência nos assuntos mais importantes como a arte bélica, a tática militar, a administração do Estado, a educação. Mesmo como guia da vida privada (...)  O poeta imitativo revela e alimenta o elemento inferior de nossa alma, e, corroborando-o, arruína o elemento capaz de raciocinar.[8]

Para o filósofo, era "imprescindível a conscientização de que a criação poética não precisava de conhecimentos meramente técnicos e tampouco de uma ciência."[9] O que nos leva a crer no gesto de Platão é uma aplicação política e ética da mimesis.
O engenhoso método de Platão para desacreditar a poesia é essencial para compreender como ela operava em todas as ramificações da estrutura social grega. Na educação, as epopeias eram tidas como enciclopédias; os rapsodos e os aedos, como arautos, mídias populares; a obra de Homero, como portadora de leis; a arte, como base da educação; os versos, na voz das divindades. Esse poder acumulado pelo conhecimento poético precisava, de acordo com o pensamento platônico, ser regimentado por um novo saber do conhecimento, a Filosofia.
Devido a essas circunstâncias, a mimesis encontra em Platão um adversário de respeito. Considerado por alguns como censor, por outros como crítico austero, o filósofo colocou em evidência o discurso e o debate sobre novas formas de educação e pedagogia. Seu discípulo, Aristóteles, por sua vez, seria o responsável por ampliar o horizonte dessa discussão.




[1]LIMA, Roberto Sarmento. O falso da imitação. Revista LÍNGUA PORTUGUESA. São Paulo: Escala Educacional, Ano 2, n. 19., p. 46. ISSN 1984-3682.
[2]MADJAROF, Rosana. Platão a Vida e as Obras. Disponível em:  <http://www.mundodosfilosofos.com.br/ platao.htm>. Acesso em: 13 abr. 2008.
[3]SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit., p. 133.
[4]DUCLÓS, Miguel. A crítica de Platão ao teatro e ao Homero como educador. Disponível em: <http://www.consciencia.org/platao_republica.shtml>. Acesso em: 19 abr. 2008.
[5]MOREIRA, Fernando José de Santoro. Arte no Pensamento de Aristóteles. Disponível em:
 <www.artenopensamento.org.br/pdf/arte_no_pensamento_de_aristoteles.pdf >. Acesso em: 19  mar. 2007.
[6]Ibid. p. 74.
[7]NERI, Adriano. A genealogia do discurso poético: o eu e o outro na eloquência moral dos sentidos. Disponível em:<http://www.ciencialit.letras/ufrj/garrafa11/v2/adrianoneri.html>. Acesso em: 22 mar. 2007.
[8]ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, Editora Tecnoprint S.A., 1970.
[9]NERI, Adriano, op. cit., p. 3.

2 comentários:

  1. André, parabéns! Seu artigo foi de grande importância e ajuda para eu entender muita coisa a respeito do Platão e suas ideias em geral. Não desista :) Vc é fera e seu trabalho é incrível!!!!

    ResponderExcluir
  2. Cara, estou no primeiro período de estudos clássicos e estou estudando a poética platônica. Ler seu artigo foi insano pra eu tirar as dúvidas que tinha. Você simplesmente foi claro, objetivo, direto ao ponto e ficou perfeito. Muito obrigada. Continue escrevendo <3

    ResponderExcluir