terça-feira, 23 de agosto de 2011

Os Poéticos sentidos da metáfora




A Poética está longe de ser uma teoria da poesia em geral, menos ainda das belas-artes. Dela não podemos extrair uma teoria crítica completa e seguida. No entanto, contém talvez maior número de idéias fecundas sobre a arte que qualquer outro livro.[1]


Aristóteles estudou as propriedades da retórica e da poesia, escrevendo dois livros, Arte Poética e Arte Retórica, obras de referência no estudo sobre os componentes essenciais do discurso. Devido à reflexão racional e à capacidade de sistematização, Aristóteles pôde compreender a função das sensações no processo pedagógico. Ao refletir sobre a relação entre as sensações e a metáfora, o filósofo compreendeu a importância dos sentidos na aquisição do conhecimento.
O sentido é frequentemente associado ao significado, à razão. Todavia, ele representa também a percepção das sensações, possuindo um caráter duplo, do lógico e do imaginário. A metáfora[2] possui o mesmo comportamento, pois porta o sentido (racional) e o sentido (emocional). As sensações percebidas pelos sentidos são transformadas em conhecimento, que utiliza a analogia e a metáfora para realizar o caminho entre a realidade e o texto, pela via do pensamento.
Transmitida principalmente no discurso oral, a metáfora foi difundida por seu uso social, por circular livremente entre os habitantes. A metáfora torna-se um fenômeno sociocultural, presente nos hábitos e nas culturas das sociedades, nos diálogos coloquiais, nos discursos. Habita no interior de uma língua viva. “O que confirma é que elas são as únicas a serem utilizadas por toda gente; não há ninguém que, na conversação corrente, não se sirva de metáforas.”[3]
Se a audição contribui para sua propagação, é pelo sentido da visão que a metáfora tem sua maior aliada no processo de construção de analogias. É refletindo sobre o que vemos, analisando o comportamento humano e das leis naturais que a analogia estabelece um diálogo com a imagem e com o real. A relação metafórica estabelece laços tão fortes com o sentido da visão que a imagem e a metáfora tendem a se confundir. Para Aristóteles, a imagem é igualmente uma metáfora. 
 "Quando Homero diz de Aquiles (que se atirou como leão), é uma imagem; mas quando diz (este leão atirou-se), é uma metáfora."[4] Não é ao acaso que sentido figurado seja sinônimo do sentido metafórico. Por sentido figurado, o Dicionário Aurélio define: 1- figurado [Part. De figurar]. Em que há figuras ou alegorias; metafórico, tropológico. 2- Alegórico, imitativo, representado. No pensamento aristotélico, encontramos o sentido figurado em associações entre a metáfora e a imagem.

“É a metáfora que põe o fato diante dos olhos”. “Surtem efeito às imagens dos poetas; o elo que, quando empregadas a propósito, confere um ar de urbanidade ao estilo. A imagem é, como dissemos acima, uma metáfora, diferindo dela apenas por ser precedida de palavras”[5]  Ou “Podemos empregar todas estas expressões quer como imagens, quer como metáforas”. “Todas as que saborearmos como metáforas servirão também manifestamente como imagens, e as imagens, por sua vez, serão metáforas a que não falta senão uma palavra.”[6]


Desse modo compreendemos o motivo de Aristóteles quando iguala a capacidade mimética do discurso à obra de um pintor. Tece um valioso comentário na arte poética, deixando nítida a ponte entre o olhar do texto e a imagem. "Pois uma palavra é mais própria que outra, aproxima-se mais do objeto e é mais capaz de o pôr diante de nossos olhos."[7] Entretanto nem só de imagem se alimenta a metáfora. Outros sentidos são essenciais, como o tato, a audição, o olfato e o paladar.
A pele é o meio pelo qual o mundo externo é apreendido e percebido, considerado o "primeiro órgão de comunicação humana, fronteira entre o mundo e o corpo."[8] A audição, com suas vibrações, transmite informações essenciais para a comunicação e sobrevivência humana. O paladar desperta outras sensações. É o meio pelo qual distinguimos entre um fruto amargo (venenoso) e uma fruta comestível, do mesmo modo que o olfato nos diz se o alimento está pronto para ser consumido ou não.
Aristóteles percebeu a relação entre as sensações e as metáforas e, em seu livro Arte Poética, descreveu exemplos detalhados, tecendo uma ponte entre as figuras de palavras e os sentidos.

As metáforas encontram força nas associações sonoras em “O grito de Calíope”,   visual e tátil em “Vi um homem que, com fogo colava bronze sobre outro homem”, do olfato em “Antístenes comparava o magro Cefisódoto ao incenso que, enquanto se consome, exala odor agradável” ou paladar em “Sob um jasmineiro em flor mastigava amoras frescas. [9]

A metáfora, portanto, apoia sua construção nos cincos sentidos, utilizando esse conhecimento para compor suas analogias. A sensação, captada pelos nossos sentidos, fundamenta a natureza  do conhecimento. 
                                           
                                              Os elementos fornecidos pelas sensações exercem um papel essencial nos nossos conhecimentos perceptivos, que asseguram a identificação de objetos ou de seres bem determinados. O sabor de um alimento, a voz de um amigo, a cor amarela no campo de trigo maduro, o odor dum percevejo, a suave tepidez da pele de um gato podem guiar nosso comportamento.[10]


[1]ARISTÓTELES. The Works of Aristotle. Trad. francesa organizada por W. D. Ross. Oxford: Clarendon,  1928, p. 390-392.
[2][Do gr. Metaphorá, pelo lat. Metaphora.] S.f. Tropo que consiste na transferência de uma palavra para um âmbito semântico que não é o do objeto que ela designa, e que se fundamenta numa relação de semelhança subentendida entre o sentido próprio e o figurado. HOLANDA, Aurélio Buarque. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1999, p. 1326.
[3]ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, Editora, Tecnoprint S.A., 1970. p. 209.
[4]Ibid., p. 217.
[5]Ibid., p. 232.
[6]Ibid., p. 217.
[7]Ibid., p. 211.
[8]CARNEIRO, Glauco. História da Dermatologia no Brasil. Edição comemorativa dos 90 anos da fundação da Sociedade Brasileira de Dermatologia. 2002,  p. 211.
[9]ARISTÓTELES, Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, Editora, Tecnoprint S.A., 1970, p. 216.
[10]PIERON, Henri. A Sensação. Portugal: Ed. Publicações Europa-América Ltda, 2003, p. 97. (Coleção Saber).

As Figuras de Palavras




Nós normalmente não pensamos literalmente, mas figuradamente, via metáfora, metonímia, ironia e outros tropos.[1]

Consolidando a relação entre o pensamento e a metáfora, entre o texto e a imagem, um novo termo criado por Aristóteles merece destaque. As figuras de palavras. A natureza metafórica é um dos temas recorrentes na Arte Poética.  Aristóteles afirma que a metáfora é o meio que mais contribui para dar ao pensamento a clareza e o agrado, desde que seja guiada por uma analogia coerente. Caso contrário os ouvintes podem suspeitar de que "o orador lhes está armando um laço, do mesmo modo que desconfiamos do vinho mesclado."[2] 
A classificação das figuras de palavras se dá pela sua relação com os sentidos ou com a própria estrutura da linguagem. Em Aristóteles, as principais figuras encontradas são: metonímia, sinestesia, prosopopeia ou personificação, antítese e gradação. No capítulo V da Arte Poética, Aristóteles escreve que a metonímia tem a característica de proporcionar amplidão ao estilo, empregando o vocábulo em vez de sua definição. Por exemplo, em vez de dizer a figura plana, cujos pontos estão a igual distância do centro, diremos: o círculo. 
A metonímia pode ser definida como uma relação de contiguidade, de aproximação, em que parte do conteúdo semântico de uma palavra ou expressão, ou um conteúdo semântico associado a esta palavra ou expressão, é relacionado a outra palavra ou expressão, também numa comparação implícita, só que parcial (entre um todo significativo e um traço significativo de outro todo significativo), ou numa relação de substituição comparativa, em que um traço significativo de uma palavra ou expressão representa toda a palavra ou expressão.[3]

A metonímia consiste em tecer uma relação entre a parte e o todo. Afrânio Garcia descreve, em seu texto Metonímia: amplitude e precisão, diversos processos de construção metonímicas, dividindo-as de acordo com sua especificidade. Há relações metonímicas na frase "adoro tomar um Porto", indicando a cidade onde o vinho é produzido, Porto. A metonímia ocorre também na relação entre a marca e o produto. O Bombril (que virou sinônimo de palha de aço), a Gilete (a marca mais famosa de lâmina de barbear, que tanto pode ser usada para indicar uma lâmina dessa marca como lâmina de barbear em geral). Na sentença "ele comeu dois pratos", a relação estabelecida é do continente pelo conteúdo: na verdade, o que se comeu foi o que havia nos pratos. Em "o assaltante mostrou o ferro", o vocábulo ferro indica material da arma, provavelmente um revólver feito desta matéria.
Nota-se a economia como uma das funções exercidas pela metonímia. Já a antítese possui uma característica antagônica, por ser uma metáfora baseada na diferença, na oposição. De acordo com o pensamento aristotélico, "os contrários são fáceis de compreender, e mais ainda quando postos uns ao lado dos outros."[4] Na Arte Poética, encontramos diversos exemplos dessa figura. "A natureza fê-los cidadãos, a lei priva-os do direito da cidade",[5] "Uns pereceram miseravelmente, os outros foram salvos",[6] "Quer possuí-los vivos, quer abandoná-los depois de mortos."[7]                               Prosopopeia ou personificação é uma figura de palavra na qual o ato, a ação de animar o inanimado, constitui uma metáfora. Aristóteles reúne diversos exemplos recolhidos nos poemas épicos de Homero.[8] “E de novo, a pedra, sem vergonha, rolava a planície”,[9] “E a seta Voava”,[10] “Os dardos enterravam-se na terra, embora cheios de desejo de penetrarem na carne”,[11]  "A ponta impetuosa cravou-se no peito."[12] Para o filósofo "todas estas expressões, os objetos inanimados aparecem em ato porque o poeta os anima."[13] Na sinestesia ocorre uma relação entre duas ou mais sensações. "A palavra sinestesia tem origem na soma das palavras gregas syn (que significa “junto”) e aisthesis (“percepção”).
Na literatura brasileira, o verso inicial do soneto do livro Via Láctea[14] ilustra esta figura: "Ora (direis) ouvir estrelas."[15] O exemplo citado representa, na literatura, a figura da sinestesia. Na medicina encontramos uma disfunção com esse nome quando o cérebro transmite o mesmo estímulo, simultaneamente, para duas ou mais áreas sensoriais.

Sean vê bolas coloridas quando ouve o som de guitarra, Patricia sente o gosto dos objetos que toca. Para Eugene, Brasil é amarelo, Argentina é laranja e Canadá é pink. Essas pessoas possuem a capacidade da sinestesia, peculiaridade que faz com que um em cada 15 mil habitantes do planeta misture dois ou mais sentidos. Não se sabe ao certo como os impulsos elétricos que deveriam chegar à área da audição acabam esbarrando no tato, na visão, no olfato. De acordo com a teoria mais aceita, a mente processaria os dados em "módulos" distintos e, no cérebro dos sinestésicos, mais de um "módulo" estaria encarregado de processar a mesma informação.[16]

A pesquisa de Richard Cytowic o leva a publicar dois livros sobre o assunto: Sinestesia, a união dos sentidos e O homem que sentia o gosto das formas, onde é encontrada a descrição do primeiro relato médico sobre a sinestesia.

A primeira referência médica à sinestesia data de 1710, quando um oftamologista inglês, Thomas Woolhouse, descreveu o caso de um homem cego que percebia o som como indução de visões coloridas.[17]

Percebemos uma relação entre as figuras de palavras, as estruturas da língua e do pensamento. Seja pela oposição, pela analogia, pela animação de termos inanimados, seja por meio das sensações, essas figuras não só ilustram, mas pertencem à estrutura do pensar e do sentir humano. 


[1]GIBBS, Raymond W. The poetics of mind: figurative thought, language and understanding. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
[2]ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, Editora, Tecnoprint S.A., 1970, p. 208.
[3]GARCIA, Afrânio da Silva. Metonímia: amplitude e precisão. UERJ. Disponível em: <http://www.filologia.org. br/viiifelin/32.htm>. Acesso em:  abr. 2008.
[4]ARISTÓTELES,  Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, Editora, Tecnoprint S.A., 1970, p. 230.
[5]Ibid.,  p. 229.
[6]Ibid.,  p. 229.
[7]Ibid.,  p. 230.
[8]Ilíada e Odisséia.
[9]ARISTÓTELES,  Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, Editora, Tecnoprint S.A., 1970, p. 237.
[10]Ibid.,  p. 237.
[11]Ibid.,  p. 237.
[12]Ibid.,  p. 238.
[13]Ibid.,  p. 238.
[14] BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 37-55. Via-Láctea.
(Coleção a obra-prima de cada autor).
[15]Ibid.
[16]SINESTESIA, capacidade de ouvir cores. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/diariodovale/arquivo/ 2000/ dezembro/04/page/fr-lazer2.htm>. Acesso em: mar. 2009.
[17]Ibid.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O ESTADO POÉTICO GREGO




                                                               Um povo se torna povo quando sua autoconsciência é patenteada num poema inaugural. É possível imaginar uma sociedade sem sapateiros, porque é possível viver descalço, mas não uma sociedade sem poetas, porque não há vida humana sem linguagem.[1]
  
A Poesia foi fundamental na sociedade da Grécia Antiga, transmitindo valores culturais, sociais, religiosos, políticos, estéticos e históricos. Sua prática e uso estavam tão embrenhados na comunidade que a Poesia constituía um fenômeno cultural e pedagógico que possuía a "função de resgatar e transmitir os costumes, as tradições, os valores, as crenças, os rituais, os jogos, as táticas de guerra, a educação, a administração social, política e militar da cidade, assim como as leis e as condutas pública e privada."[2]
A complexidade e as ramificações da poesia alcançavam todas as camadas sociais. Certos trechos de Ilíada e Odisséia[3] eram interpretados como leis e aplicados na sociedade. Na educação, as epopeias formavam a base do conhecimento a ser transmitido. A poesia, em tempos de guerra, constituíam o relato da história. Nos templos, ora estava presente na forma de canto ora em forma de versos do oráculo. Apolo, deus da luz e do sol era a divindade da poesia e das artes. Os aedos[4] estabeleciam a comunicação do poder com o povo. Informavam as festividades, celebrações, impostos, notícias da guerra ou da colheita. Graças ao seu canto e a sua lira, o conhecimento foi preservado antes do nascimento da escrita.
Evidenciamos o valor do aedo como transmissor das leis e dos costumes através de relatos orais. Destacamos, sobretudo, sua importância como educador em uma sociedade em que a escrita ainda não é predominante e as informações, normas e valores fundamentais são repassados através de cantos.[5]

Através da poesia foi possível preservar a história da Grécia. A memorização de grandes relatos foram viabilizados devido às estruturas do verso, rima e melodia. Estes elementos  auxiliavam a memória do aedo e facilitava a compreensão do ouvinte sobre o assunto relatado.  Surge então a primeira prática pedagógica, nascida da poesia. Acrescente o aprendizado que a leitura dos poemas Homéricos proporcionavam e pode-se ter uma noção da contribuição da poesia como ferramenta educativa. Cabe lembrar que "os poetas foram não só os primeiros educadores hegemônicos da cidade, mas também os primeiros a tentar explicar a origem e a ordem do mundo."[6] "De Homero a Hesíodo, a cultura grega se mostra completamente impregnada pelos efeitos da poesia na formação ética, política e pedagógica das crianças e dos jovens."[7] A poesia homérica era utilizada em todos os níveis educacionais, reconhecida como enciclopédia do saber. 
Ilíada e Odisséia constituíram fontes seguras de informação para todo o grego bem educado e que as conhecia desde a mais tenra infância: "Homero era não um homem, mas um deus" era uma das sentenças que os jovens transcreviam durante o processo de alfabetização no período helenístico.[8]

No século VI a.C, o estadista Sólon[9] institui que, "em Atenas, o ensino dos poemas homéricos fosse parte da educação dos jovens atenienses."[10] Fato compreensível em uma sociedade que baseava o sistema de ensino em técnicas de memorização e repetição. A poesia tinha a função de transmitir ensinamentos éticos, pedagógicos e práticos que, aliada aos meios de produção, funcionava como uma mola propulsora do Estado grego, um meio de apreender sobre a vida, sobre as funções na pólis grega, de se relacionar com o divino e com o profano. Também entretinha. A recitação declamada pelos rapsodos[11] era escutada por grandes públicos nos festivais de arte e celebrações religiosas.
Peisistratos introduziu a recitação dos poemas Homéricos nas Panatéias, o maior festival em honra da deusa Atena. O estabelecimento de aprendizagem e recitação de Homero nos festivais  compunha o  ideal grego de sociedade, que deveria valorizar seus alicerces para que não caísse em meio a devaneios. [12]

Todo jovem possuía como modelo as ações e feitos dos heróis nas epopeias homéricas. Criava-se uma referência em que o processo de imitação consiste em assemelhar o aluno aos homens virtuosos do passado.
As duas obras de Homero contêm, em seus relatos, o constante entrelaçamento entre o cenário político e militar da guerra e os rituais, as crenças, os costumes, as tradições dos gregos em suas relações familiares. De um lado, a ação dos heróis no campo de batalha, do outro, o lado humano de seus heróis. Nesse sentido, a Ilíada e a Odisséia representam, no período de seu surgimento, a instância privilegiada para o povo grego compreender melhor o próprio mundo. Reunindo a tradição oral e a escrita em um mesmo espaço, o da epopéia, Homero pensa a vida do cidadão grego, a partir das noções de virtude (areté) e justiça (díke). [13]

Utilizando o modelo do homem ideal encontrado nos poemas homéricos, o governo estabelece uma organização social pela doutrinação do aluno por meio da educação, auxiliando a preservar  a ordem já estabelecida. As qualidades estéticas da poesia não eram o motivo da sua difusão na comunidade grega, mas sim sua eficácia pedagógica em transmitir a ética e o conhecimento. A sua função moralizadora era o que importava ao Estado Grego. 


[1]RIBEIRO, Luís Felipe Bellintani. Arte no pensamento de Platão. p. 130. Disponível em: <http://www.artenopensamento.org.br/palestras.php> Acesso em: 20 mar. 2007.
[2]SOUZA, Jovelina Maria Ramos. A dimensão ético-política da crítica platônica à mimesis na Politéia. Belo Horizonte: UFMG/FAFICH, 2003, p. 13. Dissertação de Mestrado defendida na UFMG em 30/01/2003.
[3] Poemas épicos  escritos por Homero.
[4][Do gr. aoidós, "cantor"] Na Grécia Antiga, poeta que recitava ou cantava suas composições religiosas ou épicas, acompanhando-se à lira. HOLANDA, Aurélio Buarque. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986, p. 52.
[5]SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit.,  p. 10.
[6]Ibid., p. 9.
[7]Ibid., p. 9.
[8]MURRAY, P. Plato on Poetry. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, p. 19.
[9]SÓLON foi poeta e legislador ateniense que em 594 a.C. iniciou uma reforma onde as estruturas social, política e econômica da pólis ateniense foram alteradas.Profundo conhecedor das leis, ele foi convocado como legislador pela aristocracia em meio ao contexto de tensão social existente na pólis.Criou o tribunal de justiça. Sólon também era considerado um dos Sete sábios da Grécia antiga e como poeta compôs elegias morais-filosóficas. Wikipedia. Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Sólon>. Acesso em: setembro de 2009.
[10]NERI, Adriano. A genealogia do discurso poético: o eu e o outro na eloquência moral dos sentidos. Disponível em: <http://www.ciencialit.letras/ufrj/garrafa11/v2/adrianoneri.html>. Acesso em: 22 mar. 2007.
[11] RAPSODO  é o nome dado a um artista popular ou cantor que, na antiga Grécia, ia de cidade em cidade recitando poemas (principalmente epopeias).Os rapsodos apareceram no século VII a.C. e continuaram a representar até o Helenismo. Levavam uma vida itinerante, indo de cidade em cidade procurando audiência. Pouco a pouco foram sendo organizados concursos de rapsodos, como os Panatenienses.É diferente do aedo, que compõe os próprios poemas e os canta, acompanhado de um instrumento, geralmente e lira. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Rapsodo>. Acesso em: agosto de 2007.
[12]Ibid.
[13]SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit.,  p. 25.

O Conceito Grego de arte: a Mimesis, a Techné, e a Poiésis




Nossa história começa em Sófron, nascido em Siracusa no século IV antes de Cristo. Sob o Palco dedicava-se à arte do mimo. Seu corpo tinha a propriedade de imitar o movimento natural de outros seres com perfeição. A essa arte deu-se o nome de Mímica. [1]                                   
Aristóteles

Para compreender o conceito mimético, é necessário voltar à origem do termo. Após a leitura da citação acima, retirada da Arte Poética de Aristóteles, podemos compreender o motivo da palavra mimese, derivado de mímica, portar o sentido da imitação.[2] A relação entre o real e a cópia fundamenta sua relação com as artes. No que diz respeito ao seu uso, o filólogo Göran Sörbom, em seu livro mimesis and art,[3] revela que autores muito anteriores à época de Platão já utilizavam mimesthai,[4] equivalente a mimesis.
A primeira ocorrência desta expressão encontramos em Píndaro e, posteriormente, nos trágicos e em Heródoto. O uso desse vocábulo por esses autores designa uma atividade de reprodução, de representação, artística e ritual, aplicada às estátuas, aos figurinos representando os mortos.[5]
O teatro, a música, a narrativa e as artes em geral são associados ao conceito de mimesis. A citação da origem da mimesis na Arte Poética é relacionada ao ator, à interpretação, à mímica. A arte mimética reproduz os gestos, as falas, as ações, ela            "incide sobre os elementos que ajudam a compor os personagens, os sons da natureza ou os elementos colocados em cena pelo ator, e ainda, as paisagens imaginárias e os ofícios representados na obra do pintor." [6]
A mimesis está de tal forma relacionada com a arte que os dois campos se confundem assim como seus limites. Da encenação ao figurino, da música à tela,  da dança ao texto, do corpo à fala, a mimesis fundamenta a relação da arte com o real e o público.
"Em Platão a mimese atravessa todo o campo da criação artística."[7] O conceito mais evidente da aplicação prática da mimesis em relação à arte é o valor que a representação  mantém com a realidade. Quanto maior a verossimilhança do objeto representado com o real, maior é o seu valor artístico.
Plínio e Cícero relatam a história do pintor Zeuxis, que foi convidado a ornamentar o Templo de Juno. O artista, desejoso de uma imagem que englobasse o reflexo perfeito da beleza feminina, solicitou que as jovens mais belas da cidade se submetessem ao seu julgamento. Como não encontrou alguma que fosse perfeita, cinco das mais belas posaram para o artista, que compôs sua figura com as partes do corpo mais perfeitas de cada uma. Zeuxis, obcecado pela ilusão, pintou com acuidade uvas que os passarinhos vinham bicar. Entretanto, sentiu-se humilhado por Parrasius, seu rival, quando desejou afastar uma cortina pintada em tromp l’oeil pelo mesmo.[8]

Françoise Dastur, em seu texto A Arte no Pensamento, ressalta que a definição de mimesis também coincide com o conceito platônico de Poiésis[9] e que costuma ser traduzido por imitação. Analisando o vocábulo Poiésis Platão mostra duas diferentes aplicações. "Na primeira, poiésis expressa o sentido geral do verbo poiéo, que significa produção, fabricação, criação. Na segunda, poiésis assume uma significação mais específica e traduz-se por poesia."[10]
Poiesis é um substantivo que se forma do verbo grego poiein. Este assinala no grego a ação de fazer diversificada, mas sobretudo a questão da essência do agir, daí estar ligada à poiésis, no sentido que hoje consideramos criação.[11]

 A criação e a poesia têm o significado equivalente por compartilhar a mesma origem. "É a arte da palavra que possui maior relevância sobre as demais na Grécia, pois é esta arte e nenhuma outra que leva o nome de criação".[12] Apesar de haver confusão e até a interpretação desses dois termos (Poiésis e Mimesis) como sinônimos, pode-se afirmar que eles possuem mais um sentido particular de relação do que de equivalência. O mesmo acontece com a Techné, que, devido a um erro, passou a ser traduzido como Arte. Manuel Antônio de Castro  ressalta que, na leitura do tratado de Aristóteles, se fez uma enorme confusão porque o termo substantivo era techné, que dizia respeito a todo e qualquer conhecimento e que indicava um "conhecimento" especial; o adjetivo poiétiké ficou esquecido. Passou-se a falar em Poética e se entendeu, na verdade, Techné, ou seja, conhecimentos técnicos.
Do verbo poiein se formou o adjetivo poietikos. (...) O feminino se substantivou e tornou-se he poitiké, ligada a outro substantivo grego: techné. Este substantivo significa fundamentalmente conhecimento.[13]

Mas qual a especificidade do termo techné em relação à poiésis? Techné é equivalente ao que entendemos por técnica, tecnologia. Fernando Santoro ilustra bem esse fato no início do artigo Arte no pensamento de Aristóteles: 
O conceito grego de téchne, que costuma traduzir por "arte", não fala da realização dos artistas, não tem o compromisso estético nem o valor da genialidade que lhes atribuímos hoje. A Techné é uma atividade humana fundada num saber. Aquele que tem uma arte detém um saber que o orienta em sua produção.[14]

Seguindo a linha de pensamento de Manuel Antônio Castro, no artigo A Poética da poiésis como questão, uma relação entre poiésis e techné se clarifica. De acordo com suas definições, a poiésis se aproxima de uma "essência de agir", de uma "força criadora" que utiliza um conhecimento técnico, uma técnica (techné), para realizar a vontade criadora.
Qualquer técnica só é técnica enquanto pressupõe um determinado conhecimento. Mas a essência do agir também pressupõe um determinado “conhecimento”. Não um conhecimento técnico, ou melhor, é aquele “conhecimento” técnico que é fundado e impulsionado pela essência do agir.[15]

A técnica era passada de geração a geração, aperfeiçoada, evoluindo em paralelo ao  conhecimento humano e às descobertas científicas. É pela habilidade, pela técnica, que toda a arte pode ser ensinada e aprendida, comprovando seu caráter educacional.
Quando Protágoras determina sua arte como "arte política" (politiké téchne), surge a questão de saber se a política pode ou não ser ensinada, que, em última instância, se equivale a saber se ela de fato é uma arte, já que está no conceito de arte a possibilidade de ser ensinada e aprendida.[16]

Do relacionamento destes elementos (mimesis, poiésis e techné), podemos construir uma perspectiva da arte na Grécia e entender o valor e a função da poesia. A identidade do grego nasceu da unificação do homem com a arte, fecundada pela Poesia. O fenômeno envolvendo a mimeses é tão forte e complexo no estudo das artes que a sua evolução permanece associada ao conhecimento até os dias atuais. Maria Luiza Falabella  escreve sobre a mimesis no livro História da Arte e Estética, da Mimesis à Abstração:
Constitui sempre um desafio às reflexões sobre a natureza da arte, seu papel, suas relações com o mundo, e esteve no centro da discussão das artes desde a Antiguidade Greco-Romana até os nossos dias. Sua importância como conceito refletiu-se tanto no discurso filosófico como no fazer artístico e na nossa própria maneira de ajuizar a obra de arte.[17]

        Enquanto, em Platão, o conceito mimético será definido por pensamentos políticos, reduzindo a importância da poesia na sociedade em detrimento da recém-surgida filosofia, seu discípulo Aristóteles sistematizará o campo de estudo mimético, ampliando sua utilização e suas possibilidades, fundando a Poética.


[1]ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, Editora Tecnoprint S.A., 1970.
[2]O conceito de imitação, a mimesis, foi o primeiro conceito de arte criado pelos gregos e que, por longos séculos, se consolidou como a principal referência artística. RAPOSO, Maria Tereza Resende. O Conceito de Imitação na pintura Renascentista e impressionista. In: Revista Eletrônica print by FUNREI. Disponível em:                               <http://www.funrei.br/revistas/filosofia>. Acesso em: 27 mar. 2008.
[3]SÖRBOM, Göran. Mimesis and Art. Studies in the Origin and Early Development of an Aesthetic Vocabulary. Scandinavian University Books, 1966. Disponível em: <http://www.blackwellpublishing.com/ content/ BPL_Images/Content_store/Sample_chapter/9780631207627/001.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2008.
[4]A tese de Killers é que a palavra grega mimesthai vem de mimos, o que significa ator, ou participante em um evento como protagonista, de onde deriva o sentido do ator dramático. KUI, Wong. Nietzsche, Plato and Aristotle on Mimesis. Disponível em: <http://dogma.free.fr/txt/KwokKuiNietzschePlatoAristotle.htm>. University of Hong Kong.  Acesso em: 01 fev. 2009.
[5]SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit.,  p. 51.
[6]Ibid., p. 52.
[7]Ibid., p. 51.
[8]ROSEMBER, Liana Ruth Bergstein. Artista e modelo: uma visualidade poética. Disponível em: <br.geocities.com/anpap_2004/ textos/chtca/LianaRosembe.pdf.>  p. 3. Acesso em: 2 abr. 2008. 
[9]Poese [Do gr. Poíesis, eos.] El. Comp. = ´formação´, ´criação´.
[10]SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit.,  p. 54.
[11]CASTRO, Manuel Antônio. A Poética da poiésis como questão. Disponível em: <http://travessiapoetica.blogspot.com/ 2006_09_01_archive.html>. Acesso em: 15 abr. 2008.
[12]DASTUR, Françoise. Arte no Pensamento. p. 16. Disponível em: <www.artenopensamento.org.br/pdf/ arte_no_pensamento.pdf>. Acesso em: 13 abr. 2008.
[13]CASTRO, Manuel Antônio, op. cit., p. 4.
[14]MOREIRA, Fernando José de Santoro. Arte no Pensamento de Aristóteles. Disponível em:
< www.artenopensamento.org.br/pdf/arte_no_pensamento_de_aristoteles.pdf >. Acesso em: 19 mar. 2007.
[15]CASTRO, Manuel Antônio, op. cit., p. 4.
[16]RIBEIRO, Luís Felipe Bellintani. op. cit. p. 105.
[17]FALABELLA, Maria Luiza. História da Arte e Estética, da Mimesis à Abstração. Rio de Janeiro: Editora Elo, 1987, p. 9.