terça-feira, 23 de agosto de 2011

As Figuras de Palavras




Nós normalmente não pensamos literalmente, mas figuradamente, via metáfora, metonímia, ironia e outros tropos.[1]

Consolidando a relação entre o pensamento e a metáfora, entre o texto e a imagem, um novo termo criado por Aristóteles merece destaque. As figuras de palavras. A natureza metafórica é um dos temas recorrentes na Arte Poética.  Aristóteles afirma que a metáfora é o meio que mais contribui para dar ao pensamento a clareza e o agrado, desde que seja guiada por uma analogia coerente. Caso contrário os ouvintes podem suspeitar de que "o orador lhes está armando um laço, do mesmo modo que desconfiamos do vinho mesclado."[2] 
A classificação das figuras de palavras se dá pela sua relação com os sentidos ou com a própria estrutura da linguagem. Em Aristóteles, as principais figuras encontradas são: metonímia, sinestesia, prosopopeia ou personificação, antítese e gradação. No capítulo V da Arte Poética, Aristóteles escreve que a metonímia tem a característica de proporcionar amplidão ao estilo, empregando o vocábulo em vez de sua definição. Por exemplo, em vez de dizer a figura plana, cujos pontos estão a igual distância do centro, diremos: o círculo. 
A metonímia pode ser definida como uma relação de contiguidade, de aproximação, em que parte do conteúdo semântico de uma palavra ou expressão, ou um conteúdo semântico associado a esta palavra ou expressão, é relacionado a outra palavra ou expressão, também numa comparação implícita, só que parcial (entre um todo significativo e um traço significativo de outro todo significativo), ou numa relação de substituição comparativa, em que um traço significativo de uma palavra ou expressão representa toda a palavra ou expressão.[3]

A metonímia consiste em tecer uma relação entre a parte e o todo. Afrânio Garcia descreve, em seu texto Metonímia: amplitude e precisão, diversos processos de construção metonímicas, dividindo-as de acordo com sua especificidade. Há relações metonímicas na frase "adoro tomar um Porto", indicando a cidade onde o vinho é produzido, Porto. A metonímia ocorre também na relação entre a marca e o produto. O Bombril (que virou sinônimo de palha de aço), a Gilete (a marca mais famosa de lâmina de barbear, que tanto pode ser usada para indicar uma lâmina dessa marca como lâmina de barbear em geral). Na sentença "ele comeu dois pratos", a relação estabelecida é do continente pelo conteúdo: na verdade, o que se comeu foi o que havia nos pratos. Em "o assaltante mostrou o ferro", o vocábulo ferro indica material da arma, provavelmente um revólver feito desta matéria.
Nota-se a economia como uma das funções exercidas pela metonímia. Já a antítese possui uma característica antagônica, por ser uma metáfora baseada na diferença, na oposição. De acordo com o pensamento aristotélico, "os contrários são fáceis de compreender, e mais ainda quando postos uns ao lado dos outros."[4] Na Arte Poética, encontramos diversos exemplos dessa figura. "A natureza fê-los cidadãos, a lei priva-os do direito da cidade",[5] "Uns pereceram miseravelmente, os outros foram salvos",[6] "Quer possuí-los vivos, quer abandoná-los depois de mortos."[7]                               Prosopopeia ou personificação é uma figura de palavra na qual o ato, a ação de animar o inanimado, constitui uma metáfora. Aristóteles reúne diversos exemplos recolhidos nos poemas épicos de Homero.[8] “E de novo, a pedra, sem vergonha, rolava a planície”,[9] “E a seta Voava”,[10] “Os dardos enterravam-se na terra, embora cheios de desejo de penetrarem na carne”,[11]  "A ponta impetuosa cravou-se no peito."[12] Para o filósofo "todas estas expressões, os objetos inanimados aparecem em ato porque o poeta os anima."[13] Na sinestesia ocorre uma relação entre duas ou mais sensações. "A palavra sinestesia tem origem na soma das palavras gregas syn (que significa “junto”) e aisthesis (“percepção”).
Na literatura brasileira, o verso inicial do soneto do livro Via Láctea[14] ilustra esta figura: "Ora (direis) ouvir estrelas."[15] O exemplo citado representa, na literatura, a figura da sinestesia. Na medicina encontramos uma disfunção com esse nome quando o cérebro transmite o mesmo estímulo, simultaneamente, para duas ou mais áreas sensoriais.

Sean vê bolas coloridas quando ouve o som de guitarra, Patricia sente o gosto dos objetos que toca. Para Eugene, Brasil é amarelo, Argentina é laranja e Canadá é pink. Essas pessoas possuem a capacidade da sinestesia, peculiaridade que faz com que um em cada 15 mil habitantes do planeta misture dois ou mais sentidos. Não se sabe ao certo como os impulsos elétricos que deveriam chegar à área da audição acabam esbarrando no tato, na visão, no olfato. De acordo com a teoria mais aceita, a mente processaria os dados em "módulos" distintos e, no cérebro dos sinestésicos, mais de um "módulo" estaria encarregado de processar a mesma informação.[16]

A pesquisa de Richard Cytowic o leva a publicar dois livros sobre o assunto: Sinestesia, a união dos sentidos e O homem que sentia o gosto das formas, onde é encontrada a descrição do primeiro relato médico sobre a sinestesia.

A primeira referência médica à sinestesia data de 1710, quando um oftamologista inglês, Thomas Woolhouse, descreveu o caso de um homem cego que percebia o som como indução de visões coloridas.[17]

Percebemos uma relação entre as figuras de palavras, as estruturas da língua e do pensamento. Seja pela oposição, pela analogia, pela animação de termos inanimados, seja por meio das sensações, essas figuras não só ilustram, mas pertencem à estrutura do pensar e do sentir humano. 


[1]GIBBS, Raymond W. The poetics of mind: figurative thought, language and understanding. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
[2]ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, Editora, Tecnoprint S.A., 1970, p. 208.
[3]GARCIA, Afrânio da Silva. Metonímia: amplitude e precisão. UERJ. Disponível em: <http://www.filologia.org. br/viiifelin/32.htm>. Acesso em:  abr. 2008.
[4]ARISTÓTELES,  Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, Editora, Tecnoprint S.A., 1970, p. 230.
[5]Ibid.,  p. 229.
[6]Ibid.,  p. 229.
[7]Ibid.,  p. 230.
[8]Ilíada e Odisséia.
[9]ARISTÓTELES,  Arte Retórica e Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, Editora, Tecnoprint S.A., 1970, p. 237.
[10]Ibid.,  p. 237.
[11]Ibid.,  p. 237.
[12]Ibid.,  p. 238.
[13]Ibid.,  p. 238.
[14] BILAC, Olavo. Antologia : Poesias. São Paulo: Martin Claret, 2002, p. 37-55. Via-Láctea.
(Coleção a obra-prima de cada autor).
[15]Ibid.
[16]SINESTESIA, capacidade de ouvir cores. Disponível em: <http://www2.uol.com.br/diariodovale/arquivo/ 2000/ dezembro/04/page/fr-lazer2.htm>. Acesso em: mar. 2009.
[17]Ibid.

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