quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O ESTADO POÉTICO GREGO




                                                               Um povo se torna povo quando sua autoconsciência é patenteada num poema inaugural. É possível imaginar uma sociedade sem sapateiros, porque é possível viver descalço, mas não uma sociedade sem poetas, porque não há vida humana sem linguagem.[1]
  
A Poesia foi fundamental na sociedade da Grécia Antiga, transmitindo valores culturais, sociais, religiosos, políticos, estéticos e históricos. Sua prática e uso estavam tão embrenhados na comunidade que a Poesia constituía um fenômeno cultural e pedagógico que possuía a "função de resgatar e transmitir os costumes, as tradições, os valores, as crenças, os rituais, os jogos, as táticas de guerra, a educação, a administração social, política e militar da cidade, assim como as leis e as condutas pública e privada."[2]
A complexidade e as ramificações da poesia alcançavam todas as camadas sociais. Certos trechos de Ilíada e Odisséia[3] eram interpretados como leis e aplicados na sociedade. Na educação, as epopeias formavam a base do conhecimento a ser transmitido. A poesia, em tempos de guerra, constituíam o relato da história. Nos templos, ora estava presente na forma de canto ora em forma de versos do oráculo. Apolo, deus da luz e do sol era a divindade da poesia e das artes. Os aedos[4] estabeleciam a comunicação do poder com o povo. Informavam as festividades, celebrações, impostos, notícias da guerra ou da colheita. Graças ao seu canto e a sua lira, o conhecimento foi preservado antes do nascimento da escrita.
Evidenciamos o valor do aedo como transmissor das leis e dos costumes através de relatos orais. Destacamos, sobretudo, sua importância como educador em uma sociedade em que a escrita ainda não é predominante e as informações, normas e valores fundamentais são repassados através de cantos.[5]

Através da poesia foi possível preservar a história da Grécia. A memorização de grandes relatos foram viabilizados devido às estruturas do verso, rima e melodia. Estes elementos  auxiliavam a memória do aedo e facilitava a compreensão do ouvinte sobre o assunto relatado.  Surge então a primeira prática pedagógica, nascida da poesia. Acrescente o aprendizado que a leitura dos poemas Homéricos proporcionavam e pode-se ter uma noção da contribuição da poesia como ferramenta educativa. Cabe lembrar que "os poetas foram não só os primeiros educadores hegemônicos da cidade, mas também os primeiros a tentar explicar a origem e a ordem do mundo."[6] "De Homero a Hesíodo, a cultura grega se mostra completamente impregnada pelos efeitos da poesia na formação ética, política e pedagógica das crianças e dos jovens."[7] A poesia homérica era utilizada em todos os níveis educacionais, reconhecida como enciclopédia do saber. 
Ilíada e Odisséia constituíram fontes seguras de informação para todo o grego bem educado e que as conhecia desde a mais tenra infância: "Homero era não um homem, mas um deus" era uma das sentenças que os jovens transcreviam durante o processo de alfabetização no período helenístico.[8]

No século VI a.C, o estadista Sólon[9] institui que, "em Atenas, o ensino dos poemas homéricos fosse parte da educação dos jovens atenienses."[10] Fato compreensível em uma sociedade que baseava o sistema de ensino em técnicas de memorização e repetição. A poesia tinha a função de transmitir ensinamentos éticos, pedagógicos e práticos que, aliada aos meios de produção, funcionava como uma mola propulsora do Estado grego, um meio de apreender sobre a vida, sobre as funções na pólis grega, de se relacionar com o divino e com o profano. Também entretinha. A recitação declamada pelos rapsodos[11] era escutada por grandes públicos nos festivais de arte e celebrações religiosas.
Peisistratos introduziu a recitação dos poemas Homéricos nas Panatéias, o maior festival em honra da deusa Atena. O estabelecimento de aprendizagem e recitação de Homero nos festivais  compunha o  ideal grego de sociedade, que deveria valorizar seus alicerces para que não caísse em meio a devaneios. [12]

Todo jovem possuía como modelo as ações e feitos dos heróis nas epopeias homéricas. Criava-se uma referência em que o processo de imitação consiste em assemelhar o aluno aos homens virtuosos do passado.
As duas obras de Homero contêm, em seus relatos, o constante entrelaçamento entre o cenário político e militar da guerra e os rituais, as crenças, os costumes, as tradições dos gregos em suas relações familiares. De um lado, a ação dos heróis no campo de batalha, do outro, o lado humano de seus heróis. Nesse sentido, a Ilíada e a Odisséia representam, no período de seu surgimento, a instância privilegiada para o povo grego compreender melhor o próprio mundo. Reunindo a tradição oral e a escrita em um mesmo espaço, o da epopéia, Homero pensa a vida do cidadão grego, a partir das noções de virtude (areté) e justiça (díke). [13]

Utilizando o modelo do homem ideal encontrado nos poemas homéricos, o governo estabelece uma organização social pela doutrinação do aluno por meio da educação, auxiliando a preservar  a ordem já estabelecida. As qualidades estéticas da poesia não eram o motivo da sua difusão na comunidade grega, mas sim sua eficácia pedagógica em transmitir a ética e o conhecimento. A sua função moralizadora era o que importava ao Estado Grego. 


[1]RIBEIRO, Luís Felipe Bellintani. Arte no pensamento de Platão. p. 130. Disponível em: <http://www.artenopensamento.org.br/palestras.php> Acesso em: 20 mar. 2007.
[2]SOUZA, Jovelina Maria Ramos. A dimensão ético-política da crítica platônica à mimesis na Politéia. Belo Horizonte: UFMG/FAFICH, 2003, p. 13. Dissertação de Mestrado defendida na UFMG em 30/01/2003.
[3] Poemas épicos  escritos por Homero.
[4][Do gr. aoidós, "cantor"] Na Grécia Antiga, poeta que recitava ou cantava suas composições religiosas ou épicas, acompanhando-se à lira. HOLANDA, Aurélio Buarque. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1986, p. 52.
[5]SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit.,  p. 10.
[6]Ibid., p. 9.
[7]Ibid., p. 9.
[8]MURRAY, P. Plato on Poetry. Cambridge: Cambridge University Press, 1997, p. 19.
[9]SÓLON foi poeta e legislador ateniense que em 594 a.C. iniciou uma reforma onde as estruturas social, política e econômica da pólis ateniense foram alteradas.Profundo conhecedor das leis, ele foi convocado como legislador pela aristocracia em meio ao contexto de tensão social existente na pólis.Criou o tribunal de justiça. Sólon também era considerado um dos Sete sábios da Grécia antiga e como poeta compôs elegias morais-filosóficas. Wikipedia. Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Sólon>. Acesso em: setembro de 2009.
[10]NERI, Adriano. A genealogia do discurso poético: o eu e o outro na eloquência moral dos sentidos. Disponível em: <http://www.ciencialit.letras/ufrj/garrafa11/v2/adrianoneri.html>. Acesso em: 22 mar. 2007.
[11] RAPSODO  é o nome dado a um artista popular ou cantor que, na antiga Grécia, ia de cidade em cidade recitando poemas (principalmente epopeias).Os rapsodos apareceram no século VII a.C. e continuaram a representar até o Helenismo. Levavam uma vida itinerante, indo de cidade em cidade procurando audiência. Pouco a pouco foram sendo organizados concursos de rapsodos, como os Panatenienses.É diferente do aedo, que compõe os próprios poemas e os canta, acompanhado de um instrumento, geralmente e lira. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Rapsodo>. Acesso em: agosto de 2007.
[12]Ibid.
[13]SOUZA, Jovelina Maria Ramos, op. cit.,  p. 25.

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